quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

AS ABELHAS NA AUTOSUSTENTABILIDADE NA AGRICULTURA

Breno Magalhães Freitas

Deptº de Zootecnia, Universidade Federal do Ceará, C.P. 12168,

Campus do Pici, CEP 60355-970, Fortaleza - CE.

Fone: (85) 288.9697, e-mail: freitas@ufc.br







INTRODUÇÃO



As abelhas são comumente associadas à produção de mel, polinização das flores e, no caso das africanizadas, algumas ferroadas. Poucas pessoas, no entanto, vêem o papel que as abelhas desempenham na manutenção do equilíbrio dos ecossistemas aos quais pertencem. Esses sistemas, sejam eles naturais ou conseqüências de intervenções do Homem, apresentam importância relevante para as regiões onde ocorrem, desde que sejam autosustentáveis, indicando, principalmente, uma coexistência equilibrada entre os organismos vivos que o compõe e o meio ambiente.

Os sistemas agrícolas, no entanto, geralmente quebram esse equilíbrio em favor de uma única espécie vegetal, comprometendo a sobrevivência das outras plantas e animais que habitam aquela área. Apesar de pouco percebido, as abelhas estão entre os animais mais afetados por tais instabilidades, com a maioria das espécies não conseguindo sobreviver em tais condições. Ironicamente, as abelhas estão entre os animais que apresentam maior potencial benéfico para as culturas agrícolas por meio de seus serviços de polinização.

No presente trabalho abordamos o impacto dos sistemas agrícolas convencionais sobre o equilíbrio dos ecossistemas silvestres, discutimos o papel das abelhas nos sistemas agrícolas e formas de manejo agrícola visando a autosustentabilidade desses sistemas.





A autosustentabilidade dos sistemas florestais



Qualquer área de mata tropical apresenta uma cobertura vegetal diversa, onde várias espécies vivem lado a lado competindo por espaço, água, nutrientes e luz em perfeito equilíbrio, assegurando a sobrevivência de todas naquele local.

Embora algumas espécies possam a vir florescer simultaneamente, e portanto também competirem entre si pela atenção dos agentes polinizadores, o florescimento em diferentes períodos distribuídos ao longo do ano evita a competição por polinização entre a maioria das espécies vegetais de uma determinada área. Isso propicia que as flores recebam visitas dos polinizadores em número suficiente para vingar os frutos necessários e assegura o banco de sementes para o desenvolvimento da próxima geração (GARCIA 1986). Os agentes polinizadores, por sua vez, beneficiam-se com as floradas distribuídas ao longo do ano, pois dependem delas como fonte de alimento e teriam dificuldades de sobreviver em períodos sem flores, ou teriam que desenvolver estratégias de hibernação, estivação, diapausa ou outra forma qualquer de reduzir ao máximo suas atividades naquele momento de ausência de alimentos. Isso é bastante complicado para insetos polinizadores sociais, como as abelhas sem ferrão (FREE 1993).

Os agentes polinizadores não se beneficiam apenas das flores produzidas pelas várias espécies vegetais de um ecossistema tropical. Muitas espécies dependem dessas plantas para por seus ovos, servir de alimento para suas larvas, servir de abrigo contra intempéries e inimigos naturais, construir seus ninhos, usam como local de acasalamento, etc.

No caso específico da relação planta-polinizador, os ecossistemas silvestres mantêm-se em equilíbrio com as matas fornecendo uma série de benefícios aos agentes polinizadores e esses, por sua vez, polinizando as flores e assegurando as futuras gerações vegetais (FREITAS 1998).





Desequilíbrios causados pelos sistemas agrícolas



Quando uma área qualquer, originalmente ocupada por vegetação nativa, possui sua cobertura natural removida e substituída por uma cultura agrícola, invariavelmente troca-se um sistema autosustentável por outro instável e com rápido potencial degenerativo.

A retirada da mata original para o plantio maciço de uma única espécie vegetal causa um tremendo desequilíbrio naquele ecossistema. A maior parte dos animais, incluindo aí os agentes polinizadores, já não encontram mais suas fontes habituais de alimento, locais de acasalamento, para criar os filhotes nem de abrigo contra as intempéries e predadores, sendo forçados a abandonar a área em busca de condições adequadas à sua sobrevivência (FREITAS 1998).

Alguns poucos animais, no entanto, como ratos silvestres, gorgulhos e borboletas e/ou mariposas cujas lagartas são alimentam-se da cultura implantada podem passar a encontrar alimento abundante e fácil, sem sofrer o controle de suas populações por predadores naturais. Isso invariavelmente resulta em estouros populacionais, e essas espécies acabam virando pestes de difícil controle, algumas até atuando como vetores de doenças aos seres humanos e animais domésticos.

No caso específico dos agentes polinizadores, além da retirada da mata nativa, uma série de outros procedimentos envolvidos com a prática agrícola possuem conseqüências desastrosas: a espécie cultivada floresce apenas por um curto período de tempo, deixando os polinizadores sem alternativas de alimento na maior parte do ano; o revolvimento do solo por gradagens ou arações destrói os ninhos e locais de nidificação de muitas espécies de abelhas solitárias que nidificam no solo; da mesma forma a destoca impede que abelhas solitárias que nidificam em madeira morta possam reproduzir na área; o cultivo limpo e as capinas removem plantas silvestres que poderiam florescer e servir de alimento para os polinizadores quando a cultura não estivesse em florescimento; e o uso de fertilizantes, fungicidas e inseticidas expulsa ou mata os polinizadores ainda na área.

Como conseqüência, a grande maioria das espécies, antes comuns naquela área, desaparecem. A gravidade do problema é proporcional à escala de substituição das matas nativas por áreas agrícolas. À medida que os campos cultivados tornam-se maiores, e concentram-se em uma determinada região, menores ficam os redutos de vegetação silvestre onde os polinizadores nativos abrigam-se e conseguem sobreviver.







O papel das abelhas na sustentabilidade dos sistemas agrícolas



O impacto negativo da agricultura intensiva sobre os polinizadores também não é bom para as próprias culturas. Isso porque as plantas cultivadas geralmente dependem da polinização de suas flores para assegurar níveis compensadores de produtividade em frutos, vagens, grãos, sementes, nozes, etc. (ALVES 2000). Sem os agentes polinizadores, a cultura produz bem menos do que poderia produzir com aqueles mesmos insumos caso recebesse a polinização adequada. Em alguns casos, a produtividade é tão baixa que torna o cultivo da espécie inviável sem a presença dos polinizadores apropriados (CAMILLO 1996).

As abelhas são os principais agentes polinizadores para a maioria das espécies vegetais cultivadas e silvestres. Por dependerem exclusivamente de alimentos coletados nas flores, principalmente pólen, néctar e óleos, elas visitam uma grande quantidade de flores em cada viagem que fazem ao campo. Assim, realizam a transferência do pólen entre as flores de uma mesma espécie. O mais importante disso é que como as visitas às flores acontecem com grande freqüência, e as abelhas costumam ser fiéis às espécies que visitam, o pólen normalmente é transferido enquanto ainda está viável (vivo) e em quantidade suficiente para vingar os frutos nas flores em que visitam (FREE 1993).

Nos sistemas agrícolas, além do papel fundamental de polinizar as flores assegurando a rentabilidade da cultura, as abelhas podem amenizar os impactos sobre o meio ambiente polinizando também as espécies silvestres das áreas circunvizinhas; assegurando a diversidade vegetal; gerando produtos de valor comercial, como mel, pólen e/ou própolis que contribuem para minimizam os custos; e por sua sensibilidade a produtos tóxicos, ser usadas para monitorar contaminações ambientais causadas pelo uso inadequado de defensivos agrícolas.





Manejo dos sistemas agrícolas visando minimizar seus impactos



Apesar de ser impossível compensar as perdas ecológicas oriundas da substituição das matas nativas por culturas agrícolas, algumas medidas práticas podem ser adotadas para minimizar os impactos causados pela agricultura intensiva, visando a obtenção de um sistema mais estável e menos prejudicial para o meio ambiente (FREITAS 1998). São elas:



1 - Evitar monoculturas: o cultivo de espécies diferentes em áreas próximas favorece a manutenção da diversidade animal e vegetal na área;

2 – Reduzir o tamanho dos campos agrícolas: campos menores são menos agressivos ao ambiente e atraem e distribuem com mais facilidade os polinizadores das áreas de mata;

3 –Deixar faixas de mata entre os campos: essas áreas, de preferência formando corredores interligados, servem como refúgios para polinizadores e animais silvestres, além de banco de sementes das espécies vegetais nativas;

4 – Fazer rotação de culturas: o plantio de culturas diferentes

5 – Evitar revolver o solo: é aconselhável, sempre que possível, para evitar destruir ninhos subterrâneos de abelhas polinizadoras;

6 – Evitar o uso de defensivos químicos: isso nem sempre é possível, mas pode-se utilizar princípios ativos menos tóxicos para os polinizadores, com menor poder residual e aplicá-los à noite quando a maior parte dos polinizadores não está ativa;

7 – Reduzir as limpas: só remover as plantas que crescem dentro do cultivo quando estiverem prejudicando a lavoura, pois elas podem fornecer alimento aos polinizadores quando a cultura não estiver florescendo;

8 – Dar descanso a áreas não cultivadas: deixar campos não plantados em repouso para recuperação, pelo menos parcial, da população de agentes polinizadores;

9 - Replantar com essências nativas as áreas agrícolas desativadas: essa medida recupera mais rapidamente a fauna e a flora originais do local, e contribui para recuperar as populações;

10 – Incentivar a manutenção e reprodução dos polinizadores na área agrícola: pode ser obtido oferecendo locais artificiais de nidificação, alimentação e abrigo.





Conclusões



A agricultura tem se mostrado muito eficiente em transformar as paisagens das regiões onde é praticada em larga escala. As mudanças podem ser observadas não somente visualmente, mas também nas economias e costumes locais, possuindo grande importância para o desenvolvimento rural. No entanto, há a necessidade de adotar-se procedimentos menos nocivos ao meio ambiente, levando a uma autosustentabilidade dos sistemas agrícolas, e as abelhas desempenham papel fundamental nessa nova visão da agricultura moderna.





Referências bibliográficas



ALVES, J.E. Eficiência de cinco espécies de abelhas na polinização da goiabeira (Psidium guajava). 2000. 82 f. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. 2000.



CAMILLO, E. Polinização do maracujá amarelo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE APICULTURA, 11., 1996, Teresina. Anais... Teresina: Confederação Brasileira de Apicultura, 1996. p. 317-321.



FREE, J.B. Insect pollination of crops. Londres: Academic Press, 1993. 684p.



FREITAS, B.M. O uso de programas racionais de polinização em áreas agrícolas. Mensagem Doce, São Paulo, v. 46, p. 16-20. 1998.



GARCIA, J. Polinização. A maravilhosa dança da fertilidade. Globo Rural, Rio de Janeiro, v. 1, n. 12, p. 30-45, dez. 1986.

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